Amor-fracasso
- Karina Paitach
- 21 de fev. de 2023
- 2 min de leitura
Pequeno glossário fanoniano por Douglas Rodrigues Barros - 6 de julho de 2021
Douglas Rodrigues Barros é escritor, doutor em Ética e Filosofia política pela Unifesp, editor do Lavra Palavra e autor dos livros Lugar de negro, lugar de branco?,Esboço para uma crítica à metafísica racial e Racismo.

O amor-fracasso entra nas linhas de Fanon quando ele analisa a posição do reconhecimento de si do indivíduo racializado. Trata-se de uma observação acerca da impossibilidade de um verdadeiro amor ante um mundo racializado/racista. Em primeiro lugar, a categoria Outro é fundamental na relação do amor fenomenológico. O Outro guarda um segredo, um segredo que é o que sou. Esse Outro é, na verdade, o que indica algo sobre o que sou. Desse modo, esse Outro detém as condições do meu ser ao mesmo tempo que é aquele que me faz saber que há um ser que sou Eu. O que é a relação de amor? Um projeto de recuperação de nosso ser das mãos desse Outro. É o Outro que me dá indicação de como posso recuperar o meu ser. Assim, eu tenho um ser que é um ser-para-outro, eu afirmo o Outro na medida que eu nego que sou o Outro. Se eu quero encontrar meu ser nesse Outro, isso pode ser feito na medida em que eu tenho que diluir esse meu ser. Isso indica algo fundamental para Fanon: é na alteridade que reside minha possibilidade de compreensão. O amor, nesse sentido, é central porque estabelece uma relação de ser Outro para si mesmo. O reconhecimento de Si surge aqui como algo fundamental e que será fatalmente impossibilitado numa sociedade racista. Portanto, impondo para o racializado o amor como um fracasso. Querer ser amado é, para Fanon, impregnar o Outro com nossa própria existência, é constrangê-lo a recriar a nós mesmos perpetuamente como condição de uma liberdade que se submete e se compromete. O amor é aquilo que possibilita a entrada no nosso ser. O amor que se sabe verdadeiro permite meu acesso ao ser que sou em processo justificando minha existência. Ora, se o amor é local em que o reconhecimento se dá e são removidas quaisquer barreiras; se a nossa vida e nossa existência objetiva implica a existência do Outro e a liberdade dele fundamenta nossa essência, como falar de amor numa sociedade em que o racismo fundamentou uma diferença essencialista? É aqui que Fanon debate se a entrega de um amor verdadeiro só é possível com “instâncias psíquicas fundamentalmente liberadas de conflitos inconscientes”, e para que isso ocorra é necessário superar a estrutura que promove a racialidade/racista. O amor-fracasso é o amor impossibilitado pelo apego a racialização.
Fonte: https://revistacult.uol.com.br/home/pequeno-glossario-fanoniano/
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