"NÃO PODEMOS TODOS NOS DAR BEM?"
- Karina Paitach
- 13 de set. de 2024
- 4 min de leitura
Reflexões

Em um mundo tão polarizado por política, religião e valores, a pergunta "Não podemos todos nos dar bem?" parece mais urgente do que nunca. No livro A Mente Moralista: Porque Pessoas Boas São Segregadas por Política e Religião, Jonathan Haidt explora essa questão profundamente. Ele nos mostra que a divisão não ocorre porque as pessoas são intrinsecamente más, mas porque nossas mentes estão biologicamente programadas para buscar pertencimento em grupos e defender suas crenças e valores. Isso significa que, mesmo em lados opostos de debates acirrados, as pessoas costumam estar agindo de acordo com o que consideram moralmente correto, segundo suas próprias lentes culturais e sociais.
Haidt explica que a moralidade humana não é apenas uma questão de certo ou errado universal, mas um conjunto de instintos sociais que evoluíram para ajudar nossos ancestrais a viverem em grupos coesos. Esses instintos, no entanto, também nos fazem ver o "outro" como uma ameaça, alimentando a segregação e o conflito. A política e a religião, longe de serem apenas divisores, funcionam como sistemas que reforçam esses laços grupais e, consequentemente, os conflitos entre diferentes perspectivas.
Mas então, por que não podemos simplesmente nos dar bem?
A resposta está na compreensão de que o ser humano busca significado, segurança e identidade em suas crenças. E, em sociedades diversas, essa busca pode levar ao confronto com outras visões de mundo. Segundo Haidt, nossas diferenças morais são, em muitos casos, fruto de contextos culturais variados, e não uma questão de "bondade" ou "maldade". Para superarmos essas barreiras, ele sugere que precisamos entender a moralidade como um fenômeno plural, em que diferentes grupos têm valores legítimos, ainda que muitas vezes conflitantes.
Como então podemos construir pontes em vez de barreiras?
Empatia e Compreensão: Haidt propõe que, antes de julgar o outro, precisamos nos abrir para compreender suas motivações. Isso significa escutar sem pré-julgamentos e entender as raízes das crenças políticas ou religiosas que diferem das nossas.
Humildade Moral: Reconhecer que nenhum grupo tem o monopólio da verdade. Ao invés de se agarrar à ideia de que seu ponto de vista é o único correto, é importante aceitar que a pluralidade de valores humanos é uma característica inevitável e enriquecedora da convivência.
Conversas Difíceis com Respeito: O diálogo é essencial para encontrar um meio-termo. Contudo, a maneira como conduzimos essas conversas define seus resultados. Podemos e devemos debater nossas diferenças sem desumanizar ou atacar aqueles que pensam diferente.

Mas e quando o diálogo não é possível?
Apesar da proposta de Haidt de que pessoas boas existem em todos os lados, é importante reconhecer que nem sempre o diálogo é viável, especialmente em situações que envolvem indivíduos com traços de personalidade narcisista, comportamento perverso ou extremo egocentrismo. Nesses casos, o desafio se amplia, pois o foco dessas pessoas está em proteger a própria imagem, controlar o outro ou obter vantagens pessoais, muitas vezes sem disposição para escutar ou dialogar de forma autêntica.
1. Pessoas com Traços Narcisistas ou Perversos:
Pessoas com esses traços têm uma visão centrada em si mesmas e, frequentemente, desconsideram as necessidades e sentimentos dos outros. Elas podem manipular situações, o que torna o diálogo construtivo praticamente impossível. O que fazer nesses casos? Em vez de insistir em uma conversa que se torna desgastante, o mais saudável é reconhecer os limites da situação.
2. Pessoas Altamente Polarizadas:
Muitas vezes, o extremismo moral impede que haja abertura para o diálogo. Quando ambos os lados acreditam que estão moralmente certos e que o outro é uma ameaça, o confronto se intensifica. Nesses casos, estabelecer uma comunicação saudável se torna extremamente difícil.
Estratégias para lidar com a falta de diálogo:
Estabeleça Limites Claros: Quando o diálogo se torna abusivo ou tóxico, é essencial definir limites. Isso pode significar evitar conversas que perpetuam ciclos de hostilidade e proteger-se emocionalmente dessas interações.
Pratique o Desengajamento Consciente: Nem todas as discussões precisam ser resolvidas ou ter um fim positivo. Algumas pessoas não estão abertas ao diálogo ou a ouvir o outro lado. Nesses casos, o desengajamento consciente pode ser uma ferramenta importante para manter sua saúde emocional e evitar conflitos desgastantes.
Desenvolva Resiliência Emocional: Ao reconhecer que o diálogo pode falhar, é importante fortalecer sua resiliência emocional. Práticas como mindfulness, meditação e reflexão podem ajudar a lidar com a frustração de não ser compreendido ou de não conseguir chegar a uma solução pacífica.
Conecte-se com Aliados de Diálogo: Em vez de gastar energia tentando dialogar com quem não está aberto à troca de ideias, invista em conversas com pessoas dispostas a ouvir e a construir pontes. Haidt sugere que o verdadeiro progresso acontece quando nos conectamos com pessoas moderadas e abertas, que mesmo discordando, respeitam e valorizam a diversidade de opiniões.
Reconheça a Irrecuperabilidade: Em casos extremos, como com pessoas narcisistas ou perversas, o diálogo simplesmente não é possível. Nesses contextos, pode ser necessário afastar-se e buscar suporte emocional ou jurídico, se for o caso. Haidt reconhece que esses são casos excepcionais à sua tese de que as pessoas boas existem em todos os lados.
A ideia de Jonathan Haidt de que "pessoas boas existem em todos os lados" nos convida a refletir sobre a moralidade como um fenômeno plural e a reconhecer que a maioria das divisões políticas e religiosas não ocorre devido à maldade, mas por diferenças nos sistemas de crenças. No entanto, ele também nos dá espaço para entender que, em situações em que o comportamento é manipulador, narcisista ou perverso, o diálogo pode se tornar impraticável.
Nestes casos, o melhor caminho é aprender a proteger-se, desenvolver resiliência e buscar interações mais saudáveis e produtivas, reconhecendo que nem todos os conflitos podem ser resolvidos pelo diálogo. Afinal, a busca pelo entendimento exige não só esforço, mas também sabedoria para reconhecer quando é hora de seguir em frente.
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